A esperançosa ameaça do pecado...


"Não, eu não era engraçada. Se nem ao menos saber, eu era muito séria. Não, eu não era doidinha, a realidade era o meu destino, e era o que em mim doía nos outros. E, por Deus, eu não era um tesouro. Mas se eu antes havia descoberto em mim o ávido veneno com que se nasce e com que se roía vida - só naquele instante de mel e flores descobria de que modo eu curava: quem me amasse, assim eu teria curado que sofresse e mim. Eu era a escura ignorância com suas fomes e risos, com as pequenas mortes alimentando a minha vida inevitável - que podia eu fazer? Eu já sabia que eu era inevitável. Mas se eu não prestava, eu fora tudo o que aquele homem tivera naquele momento. Pelo menos uma vez ele teria que amar, e sem ser a ninguém - através de alguém. E só eu estivera ali. Se bem que essa fosse a única vantagem: tendo apenas a mim, e obrigado a iniciar-se amando o ruim, ele começara pelo que poucos chegavam a alcançar. Seria fácil demais querer o limpo; inalcançavel pelo amor era o feio, amar o impuro era a nossa mais profunda nostalgia. Através de mim, a difícil de se amar, ele recebera, com grande caridade por si mesmo, aquilo de que somos feitos.
Entendia eu tudo isso? Não. E não sei o que na hora entendi."
Clarice Lispector (Felicidade Clandestina - Os Desastres de Sofia)

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